Renato Côrte Real[i]
Calçada
é o nome vulgar do passeio, mas, legalmente, não é a mesma coisa, sendo correto
o termo “passeio”. A Lei Municipal nº 2023/89, que dá nova redação ao Código de
Obras de Viamão, conceitua: “PASSEIO – É a parte do logradouro destinada ao
trânsito de pedestres” e “CALÇADA – é a pavimentação do terreno dentro do
lote”.
A Lei Federal nº. 10.406, de 10.1.2002, que institui o atual Código Civil Brasileiro, a
respeito dos bens públicos explicita-os e os exclue do usocapião.
“Art. 99.
São bens públicos:
I - os de
uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; [...]
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”
As estradas e as ruas são
os logradouros, dos quais fazem parte os passeios. Logo o passeio é um bem
público, pelo que rege o Código Civil Brasileiro. São conceituados como bens
públicos, aqueles cuja destinação é de interesse público. Sendo parte de um
logradouro, ao que conceitua Hely Lopes Meirelles, o passeio é “bem de uso
comum do povo”.
Segundo, ainda, o Prof.
Meirelles, “o conjunto de bens sujeitos e pertencentes ao Estado constitui o
domínio público.” E afirma que ele alcança tanto os bens públicos, como as
coisas particulares de interesse coletivo. Se alguém considerar discutível o
domínio público em um condomínio residencial, por ser uma entidade privada,
regida por lei exclusiva, ainda restaria o instituto do “domínio público”, com
base no interesse coletivo, regido pelas normas gerais da administração pública.
A Constituição Brasileira determina
que é garantido o direito de propriedade, mas também determina que a
propriedade deve cumprir a sua função social. A propriedade urbana cumpre a sua
função social quando cumpre as determinações do Plano Diretor do Município.
Uma breve passada pelas legislações
do Município de Viamão, leva-nos a referências a princípios constantes na Lei nº 3530/2006 que institui o Plano Diretor de Viamão, para o
cumprimento da função social da propriedade no Município.
No
seu Art. 6º reza: “São
princípios fundamentais do Plano Diretor do Município de Viamão, além dos
contidos na Constituição Federal:
I - acesso universal aos equipamentos
públicos; [...]
III - conservação da integridade
ambiental; [...]
VI - planejamento e desenvolvimento
social e econômico ambientalmente sustentável.”
O
“passeio” é público, “para trânsito de pedestres”, logo lhe deve ser garantido
o “acesso universal”, dos que pelo
condomínio transitam. O Art. 41, da
mesma Lei diz: “A política de
mobilidade tem por finalidade assegurar o
direito de ir e vir a toda população ”, e o passeio é a via de
trânsito dos pedestres, devendo ser-lhes assegurado o direito de ir e vir.
Aqui
ninguém passa!
Breve volta em duas quadras da Fase IV: passeio sendo obstruído por materiais de três obras, vegetação plantada fora de lugar ou inadequada, inclinação não corrigida, degraus, entradas inadequadas de automóveis, automóvel e até uma caixa de esgoto fluvial do próprio Condomínio. (foto: Corte Real 08/13)
Deve haver também a preocupação com
o “meio ambiente” e a “sustentabilidade”, citados no Art. 6º,
do Plano Diretor. Em se tratando de
passeio, isto significa, além da arborização adequada, a manutenção de toda ou
parte da capacidade de infiltração de água no solo, mitigando (diminuindo) a
impermeabilização do passeio. Isto se consegue evitando, de forma total ou parcial,
a pavimentação. As chamadas “lajotas ecológicas” são uma boa opção. O ideal,
para a infiltração da água, é manter o passeio simplesmente gramado. O que causa o maior impacto negativo ao
meio ambiente é pavimentar, com lajotas ou cimento, todo o passeio,
impedindo a infiltração d’água.
As
lajotas ecológicas são uma boa opção para manter a infiltração da água no solo.
Lei
Municipal nº 2520 de 08 de julho de 1996 e que dispõe sobre o ”parcelamento
do solo urbano de Viamão”,
determina, em seu Art. 8º, que, na documentação técnica exigida para
os processos de loteamento, estejam os projetos de arborização de praças
e passeios e o projeto de pavimentação das vias e dos passeios.
Tal
legislação também é bastante clara, em relação ao trânsito de pedestres:
“Art. 13 -
Os passeios públicos serão totalmente desimpedidos e tratados de acordo com as
normas da Prefeitura Municipal, de maneira a permitir o trânsito de pedestres
em qualquer circunstancia ou época”.
Acrescenta ao “direito
de ir e vir” e ao “direito de acesso universal”, o tempo e a circunstância
desse acesso, ou seja, sempre: “de maneira a permitir o trânsito de
pedestres: em qualquer circunstância ou época”.
A mesma Lei de
Parcelamento do Solo, ainda fala sobre o tipo de revestimento dos passeios, da
largura mínima e da declividade, em relação aos cordões: “Art. 14 -
O tipo de revestimento da pavimentação será definido de acordo com as normas da
Prefeitura Municipal” e “Art. 15 -
Os passeios para pedestres, terão no mínimo um quinto (1/5) da largura da via e
declividade máxima de 3% (três por cento) da linha dos cordões”.
Isto
significa que terrenos declivosos e que não permitem o trânsito livre de
pedestres, devem ser corrigidos, em sua declividade, permitindo o trânsito de
pedestres e de cadeirantes.
Na Convenção do Condomínio Horizontal Cantegril IV, de 01 de julho de
1992, está determinado:
”16.0
- A remoção de entulhos das obras, reformas ou paisagismos serão de
responsabilidade do Proprietário, deverão ser removidos para fora do
Condomínio, num prazo máximo de 24 horas. É proibido o depósito destes entulhos
nas áreas verdes de preservação permanente, áreas Condominiais, terrenos ou
residências vizinhas, passeios e vias de circulação (ruas);”
As
normas para construção do Condomínio (Fase IV), determinam a obrigação do projeto do passeio:
“7- Projeto do passeio
indicando rebaixo do meio fio e passeio em frente à residência e arborização
conforme o Regulamento Interno. Arborização no(s) passeios(s) conforme o
projeto global de paisagismo. [...];”.
Também
limitam a taxa de ocupação com material a 50% do passeio, mas não esclarecem
que o objetivo disso é manter o livre trânsito de pedestres:
“25-
Será permitido a ocupação máxima de 50 % do passeio para depósito de
material;”.
A maioria das obras interditam temporariamente
o passeio, com materiais, obrigando o pedestre a trafegar na rodovia, conforme
fotos já apresentadas.
A norma de construção 26,
da fase IV, estabelece a inclinação máxima do passeio de 1% (a da Prefeitura é
3%), que não pode haver descontinuidade no passeio, entre um lote e outro (degraus)
e que a largura máxima de pavimentação contínua do passeio não deve exceder a
1,5 metros. Tudo visando mais uma vez o trânsito livre de pedestres e garantir
um mínimo de infiltração da água no solo.
Em inúmeros passeios
foram plantadas irregularmente plantas cítricas, constituindo verdadeiro pomar
doméstico privado. Com fuste baixo, impedindo o livre trânsito de pedestres, as
laranjeiras ainda têm apresentado doenças que representam temeridades
fitopatológicas aos pomares produtivos da região.
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- Sintomas típicos de “Cancro Cítrico”, em laranjeiras
plantadas na Rua Mogno – Condomínio Cantegril - Fase IV – (foto: Corte Real
março 2013)
A doença causa grandes danos aos
pomicultores, produtores de laranja. Para evitar a sua disseminação recomenda-se
não plantar plantas cítricas nas vias públicas. São árvores baixas que
atrapalham o trânsito de pedestres e de folhas perenes (não caem no inverno),
impedindo a insolação no inverno, o que as torna espécies totalmente
condenáveis para o plantio em passeios. Se produzirem, os frutos serão de
todos, sendo bem complicado dividir a produção.
Por fim, o exame da Lei Federal 4.591/64 - a Lei do
Condomínios.
“Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
[...] III - destinar a unidade a utilização diversa
de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossêgo, à
salubridade e à segurança dos demais condôminos;
IV- embaraçar o uso
das partes comuns.
§ 1º O transgressor
ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no
regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou
abster-se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial,
mandar desmanchá-Ia, à custa do transgressor, se êste não a desfizer no prazo
que lhe fôr estipulado. [...]
Utilização da Edificação ou do Conjunto de Edificações
Art. 19. Cada condômino
tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma,
segundo suas conveniências e interêsses, condicionados, umas e outros às normas
de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não
causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou
embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.
[...]
Art. 21. A violação de
qualquer dos deveres estipulados na Convenção sujeitará o infrator à multa
fixada na própria Convenção ou no Regimento Interno, sem prejuízo da
responsabilidade civil ou criminal que, no caso, couber.
Parágrafo único. Compete ao síndico a iniciativa do
processo e a cobrança da multa, por via executiva, em benefício do condomínio,
e, em caso de omitir-se êle, a qualquer condômino.”
Face aos comentários
já feitos, é suficiente ler as determinações da Lei acima, onde sublinhamos o
que consideramos atinente ao assunto.
CONCLUSÕES:
Ao adquirir o lote, o proprietário
adquire o direito de propriedade sobre o terreno e não sobre o passeio que é
parte do logradouro, não sujeita à posse privada, nem ao usocapião. O passeio
é, portanto, uma área pública, de interesse coletivo, destinada ao trânsito de
pedestres. O Estado, o Condomínio e o proprietário confrontante têm obrigação
de preservá-lo nos seus objetivos. A obstrução total ou parcial, permanente ou
temporária do passeio, fora das exceções regulamentadas, é totalmente ilegal e
merece providências, por parte dos responsáveis pela fiscalização.
Vale a pena ressaltar que o plantio
de árvores e outras plantas, no passeio, deve obedecer a preceitos técnicos de
localização e distanciamento e com espécies caduciformes, de porte e raízes adequadas,
para não alcançar a rede elétrica ou os carros que passam, sempre resguardando
o trânsito livre de pedestres pelo passeio.
Cada um plantar o que quer, onde
quer, têm transformado alguns passeios em verdadeiros pomares particulares e
outros em jardins particulares intransponíveis. Da mesma forma, deve ser
orientado o calçamento dos passeios, obedecendo ao livre acesso do pedestre e do
cadeirante e preservando a infiltração da água.
O licenciamento ou aprovação da
construção e ocupação é um ato de fiscalização. Portanto, o Condomínio, ao apor
seu carimbo: “de acordo”, nas plantas da construção, é responsável por exigir o
cumprimento do que aprova (fiscalizar), mormente no que diz respeito aos bens
públicos e ambientais e à locomoção dos pedestres. Mas, na fiscalização é
preciso eleger o mais importante a todos e não se perder em detalhes meramente
administrativos e burocráticos, agindo com bom senso.
Animais têm sido seguidamente
atropelados, nas nossas ruas do Condomínio. Uma ação de indenização e até uma ação penal podem ser interpostas na
justiça, num caso de atropelamento de pessoas, por danos materiais e
morais, por lesão corporal e até por morte, se houver. Quando se impede o livre
trânsito de pedestres, o proprietário do lote correspondente e a administração
do condomínio, podem ser réus, por terem assumido o risco da ocorrência, até
numa ação penal.
RESUMO:
São
cinco os pontos que ressaltamos, em relação aos passeios:
1º
- são áreas públicas do condomínio para locomoção e o livre trânsito de
pedestres e assim devem ser mantidas sempre;
2º
- a arborização não é livre e deve obedecer a parâmetros técnicos e
ambientais;
3º
- a inclinação e a pavimentação devem ser mínimas e sem degraus
intransponíveis aos pedestres e aos deficientes físicos, garantindo o
máximo de infiltração da água no solo;
4º
- muito poucos condôminos respeitam os passeios no Condomínio Cantegril, onde
tentamos transitar a pé, nas fases II e IV;
5º - além dos organismos
públicos de fiscalização, as administrações dos Condomínios são responsáveis
e fazer respeitar o cumprimento das normas sobre os passeios, e não o fazem.
Ilustramos as nossas colocações
predominantemente com a legislação municipal de Viamão, mas as mesmas
conclusões se viabilizariam nas demais legislações municipais, pois os
princípios e os conceitos do Direito sobre os passeios são basicamente os
mesmos.
(Viamão, 19 de agosto de 2013)
[i] O autor é condômino da Fase IV, do Condomínio
Cantegril, Engenheiro Agrônomo aposentado da Secretaria do Meio Ambiente do
Estado do Rio Grande do Sul – SEMA, pós-graduado em Irrigação e Drenagem e com
curso incompleto de Direito, na ULBRA-Canoas. Presta assessoria ambiental, como
autônomo.